Algumas boas leituras
(Zuenir Ventura. Crônicas de fim de século)
A torneira seca
(mas pior: a faltade sede)
A luz apagada
(mas pior: o gostodo escuro)
A porta fechada
(mas pior: a chavepor dentro).
Este poema de José Paulo Paes nos fala, de forma extremamente concentrada e precisa, do núcleo da liberdade e de sua ausência. O poeta lança um contraponto entre uma situação externa experimentada como um dado ou como um fato (a torneira seca, a luz apagada, a porta fechada) e a inércia resignada no interior do sujeito (a falta de sede, o gosto do escuro, a chave por dentro). O contraponto é feito pela expressão “mas pior”. Que significa ela? Que diante da adversidade, renunciamos a enfrentá-la, fazemo-nos cúmplices dela e é isso o pior. Pior é a renúncia à liberdade. Secura, escuridão e prisão deixam de estar fora de nós, para se tornarem nós mesmos, com nossa falta de sede, nosso gosto do escuro e nossa falta de vontade de girar a chave.Um outro poema também oferece o contraponto entre nós e o mundo:
Mundo mundo
vasto mundo,
Se eu me chamasse Raimundo
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"Cito para não ceder ao autismo e à arrogância de quem se julga o umbigo do mundo.""Eu prefiro o convívio da diferença. Prefiro a multiplicidade ao único. Prefiro a democracia à tirania e ao fascismo da linguagem única.""Nós alimentamo-nos de ficções, de sonhos, de visões. Entre o ser e o dever-ser corre um rio às vezes intransponível. O Somnium Scipionis é a visita diária de quantos andam neste mundo entre estas duas margens. A fome de espiritualidade é um dos sonhos e uma das fomes deste tempo. Há a fome do corpo perfeito, protésico, há a fome da evasão (toda a droga promete um paraíso) através da velocidade. Mas a fome é uma pulsão."José Augusto Mourão, semiólogo, professor na Universidade Nova de Lisboa, dominicano, presidente do Instituto São Tomás de Aquino.
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Gostei muito das palavras de Clarice Lispector:"Eu tenho a medida que designo – e este é o esplendor de se ter uma linguagem. Mas eu tenho muito mais a medida que não consigo designar. A realidade é a matéria-prima, a linguagem é o modo como vou buscá-la – e como não acho. Mas é do buscar e não achar que nasce o que eu não conhecia, e que instantaneamente reconheço. A linguagem é o meu esforço humano. Por destino tenho que ir buscar e por destino volto com as mãos vazias. Mas – volto com o indizível. O indizível só me poderá ser dado através do fracasso de minha linguagem. Só quando falha a construção, é que obtenho o que ela não conseguiu."
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""Volta-se de um amor, escreve um humorista, como de um fogo de artifício: triste e aborrecido. Tal é em resumo a minha situação. E feliz o homem que, após um sonho de longos dias, não traz no coração a mínima gota de fel. Pode olhar sobranceiro para as contingências da vida e não apreender-se de vãos terrores ou vergonhosas pusilanimidades."É certo que as naturezas capazes de resistir ao choque das paixões humanas são inteiramente raras. O mundo regurgita de almas melindrosas, que, como a sensitiva dos campos, se contraem e murcham ao menor contato. Sair salvo e rijo dos combates da vida é caso de rara superioridade. Esta glória, esta felicidade, ou esta honra, tive-a eu, que, nas mãos da mais vesga fatalidade, nada deixei do que recebi de puro e verdadeiramente perdurável."(Machado de Assis)
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Dicas de leitura:
A louca da casa, de Rosa Montero
Seis passeios pelo bosque da ficção, de Umberto Eco
Poesia Essencial, Roseana Murray- editora Manati.