Tuesday, July 11, 2006

Os ruídos da vida




"Às vezes, você perde vários poemas, porque sente uma frase, sente algo murmurado no seu espírito e não presta atenção porque está ocupado com os ruídos da vida. É necessário apurar o seu ouvido, ter a humildade de anotar a coisa mesmo quando ela não é muito boa. Pode, de repente, um texto meio nebuloso, meio esquisito, meio simplório demais, dar raiz a um poema posteriormente interessante."
(Affonso Romano de Sant'Anna)
A epígrafe acima leva-nos à reflexão sobre os ruídos da vida e a forma como lidamos com eles. São muitas as razões que servem como embaraço, ocupando nossos dias de tal maneira que perdemos o foco, distanciamos nossos olhares daquilo que merece atenção. É preciso marchar olhando mais adiante.
“Que marchem!” Marchar fala da atividade incessante, indica luta, coragem, requer idealismo, diligência, perseverança. É um imperativo que aponta para o progresso contínuo, para uma peregrinação saudável e frutífera rumo à liberdade transformadora do olhar.Já Aristóteles ressaltava a primazia da visão sobre os outros sentidos. Santo Agostinho celebrava platonicamente como “o mais espiritual dos sentidos”. Certo é que com o olhar capturamos, cedemos, extraímos, doamos, acolhemos, rejeitamos, permitimos, negamos, negociamos intenções, desejos, fantasias e frustrações.Com Machado de Assis, quantos de nós não adquirimos o hábito de investigar as pessoas antes de aceitá-las? O olhar de ressaca de Capitú pode tornar-nos “exímios” leitores de olhares. Desprezar as evidências do olhar não é inteligente. Mas às vezes é imprescindível lançarmos olhares desarmados, sem os preconceitos que nos foram impostos. O preconceito diminuiu-nos, aviltou-nos, amesquinhou-nos, tolheu nossa liberdade.
Fazer as massas levantarem-se e ver um pouco além de seus estreitos horizontes foi o mister de cientistas como Einstein, estadistas como Lênim, libertadores revolucionários como os latino-americanos Bolívar, Marti, entre tantos outros. Mas nem sempre as pessoas estão preparadas ou dispostas para ver. Estão presas em demasia aos seus valores tradicionais, perdendo, com isso, a perspectiva de julgar com isenção e serenidade outros valores, diferentes dos seus.Há que se apostar nos sonhos, quebrar certas rotinas, deixar o grão do inesperado brotar, ver com os olhos livres. Ser acrobata, flexível. Aprender a partilhar, regar e colher no tempo oportuno. Não impedir o avanço, a descoberta. Nascer a cada dia para o novo. Criar dentro de si o tempo renovado. Estar um passo a frente. Desamarrar laços inúteis. Expandir o olhar. É preciso deixar os embaraços do medo, dos preconceitos. E brindar ao novo. Expelir olhares frios, rotineiros. Levantar os olhos e ver.

1 Comments:

Anonymous Anonymous said...

Oi Luciana querida!

Nem preciso dizer que sou sua fã né? Adorei conhecer mais esse cantinho seu... aliás, dei uma espeiadinha de leve nos outros tb. ;-)

"A ciência é grosseira, a vida é sutil, e é para corrigir essa distância que a literatura nos importa."
Roland Barthes

E com vc estou aprendendo a gostar cada vez mais da literatura e todas suas nuances.

Beijos!

9:06 AM  

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